Neste dia, em que comemoramos a entrada do Senhor em Jerusalém para sofrer a Paixão, vem à nossa mente a bela passagem da vida de Jesus onde todos “saíram-lhe ao encontro com ramos de palmas, exclamando: Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor, o rei de Israel!” (Jo 12,13). É uma cena marcante, mas ao mesmo tempo difícil de ser compreendida. Como o Rei esperado por Israel adentra a cidade Santa de Jerusalém montado em um burro? Era de se esperar que o Rei viesse com poder e majestade, montado em seu cavalo real para livrar o povo de uma dominação opressora que lhes acuava. Todavia, vemos que o nosso Rei é diferente, pois ele mesmo diz: “o meu reino não é deste mundo” (Jo 18,36a).
   Como podemos nos deparar frente a um Rei que tem a pobreza como companheira e a simplicidade é o seu cetro real? A lógica do mundo é totalmente avessa ao que é proposto por aquele que “não tem onde reclinar a cabeça” (cf. Mt 8,20). Nós franciscanos não podemos também nos esquecer de um fato marcante acontecido nesse dia do “Domingo de Ramos”, que deu início à outra face da nossa espiritualidade e carisma, pois nessa noite, a nobre dama, filha de Favarone e Hortolana, deixa a casa paterna, movida pela chama que o próprio Deus coloca-lhe em seu coração, para viver como o pobrezinho de Assis, Francisco, o menor.
   Dizem-nos as Fontes Franciscanas, com uma riqueza extraordinária de detalhes e beleza:  “Aproximava-se a solenidade de Ramos, quando a jovem, de fervoroso coração, foi ter com o homem de Deus, para saber o que e como devia fazer para mudar de vida. Ordenou-lhe o pai Francisco que, no dia da festa, bem vestida e elegante, fosse receber a palma no meio da multidão e que, de noite, deixando o acampamento, trocasse o gozo mundano pelo luto da paixão do Senhor. Quando chegou o Domingo, a jovem entrou na igreja com os outros, brilhando em festa no grupo das senhoras. Aconteceu um oportuno presságio: os outros se apressaram a ir pegar os ramos, mas Clara ficou parada em seu lugar por recato, e o pontífice desceu os degraus, aproximou-se dela e lhe colocou a palma nas mãos. De noite, dispondo-se a cumprir a ordem do santo, empreendeu a ansiada fuga em discreta companhia. Não querendo sair pela porta habitual, com as próprias mãos abriu outra, obstruída por pesados troncos e pedras, com uma força que lhe pareceu extraordinária. E assim, abandonando o lar, a cidade e os familiares, correu a Santa Maria da Porciúncula, onde os frades, que diante do altar de Deus faziam uma santa vigília, receberam com tochas a virgem Clara. Nesse lugar, livrou-se logo da sujeira da Babilônia e deu ao mundo o libelo de repúdio (cf. Mt 5,31; Dt 24,1): com os cabelos cortados pela mão dos frades, abandonou seus ornatos variados. Nem convinha que, naquele ocaso dos tempos, fosse fundada em outro lugar a Ordem da florescente virgindade a não ser na casa da que foi a única mãe e virgem, antes e acima de todos. Era o lugar em que a nova milícia dos pobres dava seus felizes primeiros passos sob o comando de Francisco, para ficar claro que em sua casa a Mãe da misericórdia dava à luz as duas Ordens. Depois que a humilde serva recebeu as insígnias da santa penitência junto ao altar da bem-aventurada Maria, como se desposasse Cristo junto ao leito da Virgem” (Legenda de Santa Clara 7,2−8,5).
   Clara não se conforma com a vida de “extrema riqueza” que levara, e decide-se a abandonar tudo para abraçar “o Cristo pobre como uma virgem pobre” (2CtIn,18). Ela estava certa de que nada mais neste mundo tinha sentido ou valor, pois o que lhe preenche agora – e isso ela viu e aprendeu com o Pai Francisco − é a altíssima pobreza do Senhor, “feito por sua salvação o mais vil de todos, desprezado, ferido e tão flagelado em todo o corpo, morrendo no meio das angústias próprias da cruz” (2CtIn, 20). A vida de Penitência que ela agora se dispõe a viver deve mexer também conosco, pois nós também nos decidimos a seguir os passos daquele a quem Clara quis seguir. Sair do nosso comodismo parece ainda ser algo repetitivo para nós? E se é, por qual razão ainda não tivemos vergonha e permanecemos na nossa vida vazia e sem sabor? Deus cobrará de nós a autenticidade do carisma que abraçamos.
   Que aprendamos com nossa Mãe Santa Clara a fazer o oferecimento de nossas vidas àquele que por nós decide descer do céu, humilhar-se e sofrer aquilo que não merecia. Que nossa pobre e gananciosa vida possa sofrer nesta Semana Santa a verdadeira morte de cruz, para que, pregando-nos na cruz com ele, tenhamos a grande graça de com ele ressuscitar para uma vida nova, livre das prisões da nossa soberba, ganancia, orgulho e rancor. Clara nos ajude a experimentar o sabor da vida nova, fazendo que nossa vida velha perca o sentido, senão esta “Semana Maior” não significará nada para nós.

Frei Henrique Santos, OFMCap.
Assistente Espiritual Nacional da Jufra